sábado, 29 de dezembro de 2007

Pegadas na Areia

O vento continuava soprando. Não haviam motivos para ele parar de soprar, haviam ? Ora para o leste, ora para o oeste, o vento continuava em sua incessante marcha, nos resfriando, roubando nosso precioso calor à medida em que avançávamos. Sempre em frente, superando os obstáculos à medida que iam surgindo. Se alguém ousasse olhar para trás, poderia vislumbrar as pegadas que deixávamos enquanto seguíamos viagem. Elas se perdiam no escuro horizonte, nos fazendo lembrar o quanto já havíamos percorrido, nos enchendo de nostalgia reconfortante, alimentando nossas esperanças no futuro. Algum dia, eu repetia para mim mesmo diariamente, nós encontraríamos uma chama acalentadora neste deserto frio, nesta ventania constante. Sim, eu possuo a doença dos sonhadores...

Era um dia de chuva torrencial quando o estopim foi aceso. Enquanto me distraia observando as pegadas que meus vizinhos da frente deixavam, não pude deixar de notar uma nova la de pegadas, bem no extremo direito da geodésica, que havia surgido repentinamente. O seu misterioso aparecimento me deixou tão perturbado que demorei alguns instantes antes de me atentar para o estranho fato das novas pegas estarem invertidas. Sim, elas apontavam para o Sul!

- Olha só que engraçado. As pegadas apontando para o sul.

- Olha pra frente cara !

- Relaxa, tá tudo sob controle. Mas, essas pegadas, elas são realmente instigantes.

-Bobagem. Algum idiota querendo pregar uma peça em alguém deve ter começado a andar de costas, só para tirar uma onda. Essa molecada de hoje é cheia dessas.

- Sei...

Na verdade, eu não sabia de nada. Claro que tinha entendido a argumentação daquele senhor,
mas ela não havia me convencido. Existia algo de estranho e bizarro naquelas pegadas. Toda a caminhada da humanidade havia se dado sempre na direção Sul-Norte. Como poderia ser de outro jeito ? Mas, contrariando sua razão, lá estava, aos olhos de quem quer que quisesse ver, as pegadas se dirigindo ao escuro, profundo e passado Sul. Será que, será que alguém teria ousado ? Ousado o suficiente para dar meia-volta ?

Eu não ousaria criticar o valor de uma boa piada, nem iria querer isso. O humor é uma arte apreciada pela minha pessoa. No entanto, aquelas pegadas há muito já haviam ultrapassado o limite de uma simples traquinagem de um jovem livre para gozar a vida. Não, eu tinha me deparado com algo profundo, intrigante e desafiador. E eu não poderia me dar ao luxo de perder uma oportunidade dessas. Assim sendo, numa fria e seca noite, eu reuni toda a minha curiosidade e espírito aventureiro, dei meia-volta e me coloquei no encalço das misteriosas pegadas e do elemento, quem quer que seja, que as criou e, imediatamente, as descartou num movimento simples e distraído de como aquele que se livra do gás carbônico gerado incessamente pelo seu organismo. Em minha viagem para o passado encontrei muitas pedras bloqueando o caminho. Risos e críticas bem(?)-humoradas eram dirigidas contra mim, enquanto meu corpo obstinado permanecia com sua trajetória inalterada.

- Rá, rá ! Olha lá o Curupira, andando pra trás !

- Será que ele esqueceu alguma coisa no caminho e tá vindo buscar ?

- Hahahahahaha !!!

- Não, não pessoal. Aposto que ele tá correndo atrás de alguma rapariga que tá fugindo dele !

As pessoas que se dirigiam para o Norte liberavam sonoras gargalhadas ao cruzarem meu caminho. Me pergunto o que o autor do meu atual caminho sofreu em sua jornada desbravadora pelo passado...

Estranho. O sol já havia nascido há tempos, mas o vento continuava soprando da direita pra esquerda, como se fosse noite. Será que a direção para a qual você está caminhando também inuenciava na direção em que o vento sopra, além, é claro, da hora do dia ? Sim, claro, só podia ser isso. Se você está andando do Sul para o Norte, de dia o vento sopra da esquerda pra direita, invertendo a sua direção a noite. Porém, se você inverter a direção em que você caminha, tudo é invertido ! É como um tipo de carga, que invertemos ao trocar o Norte pelo Sul como alvo de seu percurso. Interessante...

Fazia tempo que o meu percurso havia se distanciado das geodésicas mais próximas. Estava sozinho, apenas eu e as pegadas à minha frente. Já não aguentava mais a solidão, e o medo de passar tantas diculdades por nada já empurrava meus ombros para perto da areia. Assim, foi no meio de tantos nadas, tantas ausências, tantos momentos de total introspecção, que ele me apareceu pela primeira vez...
***

Creio que me faltam palavras para expressar a decepção que se apossou de meu ser ao ver aquela pilhérica figura vindo em minha direção, diretamente do horizonte, de costas ! Dolorosos flashbacks me assombraram instantaneamente:

- Bobagem. Algum idiota querendo pregar uma peça em alguém deve ter começado a andar de costas, só para tirar uma onda....Rá, rá !

- Olha lá o Curupira, andando pra trás !...Essa molecada de hoje é cheia dessas....Pregar uma peça em alguém...

O desamparo que se apossou de minha alma era tão pesado que simplesmente parei de andar, apoiei as mãos em meus joelhos, arcados pelo peso dos sonhos frustrados. Todos estavam certos, foi um erro estúpido ter vindo até tão longe, por nada.

O andarilho estava mais perto. Ele andava bem rápido, para alguém que gosta de sair andando por aí de costas. Cabelos compridos, roupas mal tratadas, ritmo regular. Não faltaria muito para poder enxergar o rosto do corno que havia me pregado a maior peça da minha vida.

Então, como um estouro de fogos de artifícios vistos por um polvo que descansava no leito oceânico, uma idéia surgiu, surda e surpreendente, em minha confusa e anestesiada mente. Estava num lugar deserto, onde as únicas geodésicas visíveis num raio de quilômetros eram aquela que ele havia seguido e a nova sendo criada pelo andarilho. Era óbvio ! A primeira havia, provavelmente, sida feita pelo próprio andarilho, mas desta vez ele devia estar andando para frente ! No momento, o que ela presenciava era o seu retorno onde, talvez como um artifício para distrair o stress da viagem, ele tenha decidido, pilheriamente, realizar um trecho da jornada de volta de costas. Isso não tirava o mérito de sua viagem de ida, tirava ?

O andarilho havia ultrapassado o ponto onde eu descansava sentado. Antes que eu ousasse esboçar alguma reação, senti que ele havia parado de andar e passara a me observar. Quase tive um ataque cardíaco quando ouvi um voz serena no meio do deserto:

- Que engraçado...

- Oi ?

- Você, aqui. No meio do nada, sentado, parado em cima da minha antiga trilha, sem ir para frente ou para trás. Sabe como é, as pessoas não costumam muito quebrar a rotina do sempre em frente.

- Sim, err... É verdade - não sabia o que dizer, não tinha se preparado para um possível encontro e posterior diálogo com o andarilho. Felizmente, o andarilho parecia muito mais à vontade com a situação.

- E aí ? O que você procura ?

- Como ?

- A maioria das jornadas difíceis requer um objetivo, por mais abstrato que ele seja. Qual é o seu ?

- Err... Eu estava procurando a pessoa que fez estas... - as palavras saíam vacilantes de minha boca - marcas.

- Marcas ? Ah, você se refere às minhas pegadas ?

- Sim.

O andarilho gargalhava sonoramente. O mundo ao redor girava numa velocidade alucinante.

- Bom. Cá estou. Receio que a minha pessoa não seja lá um objetivo tão valioso assim para motivar a sua jornada. Agora que você está aqui, seria prudente de sua parte, e interessante também, que você arrumasse um objetivo melhorzinho, não acha ?

Depois de alguns eternos segundos, disse timidamente:

- O meu sonho é encontrar uma fonte de calor, uma chama, algo assim. O pessoal lá na frente, digo, atrás, apreciaria muito.

- Fogo ! Uma das descobertas mais excitantes de todos os tempos. - seus olhos crispavam, repletos de empolgação e, eu imaginava, nostalgia - Você está com sorte meu amigo, se você nadar alguns metros naquela direção, achará o que procura. Quando passei por lá não dei muita bola, mas creio que você e seus amigos acharão alguma utilidade para tal presente dos deuses.

Tentar seguir a linha de raciocínio do andarilho era uma tarefa impossível para mim. Mal entendia suas estranhas palavras. Me contentei com a pergunta óbvia:

- Que direção ?

- Essa aqui. - O dedo do andarilho apontava, não para frente ou para trás, mas para uma direção intermediária !

- Na direção do mar ?

- Sim, sim. É só você nadar alguns metros que você vai achar o que procura. Confesso que não é ma tarefa muito fácil, ainda mais neste frio.

Mas, convenhamos, - o andarilho exibia um sorriso que era um misto de sabedoria e deboche - nada raro é fácil de se obter, por denfição.

- Nadar ?

- Sim, nadar. Qualquer peixe faz isso não ? E eles nem precisam de fogo! - novas gargalhadas - Bom meu amigo, devo ir agora. Boa sorte em sua jornada, e nos vemos por aí.

Tão rápido quanto apareceu no horizonte, ele desapareceu no horizonte oposto. Mas suas palavras reverberavam em minha cabeça. Nadar ele dizia, nadar ! Ele não ousaria tanto. Por outro lado, ele tinha vindo até ali não ? Seria covardia de sua parte dar mais um passo adiante, não ?


***


Encharcado, tremendo de frio e feliz, eu percorria o trajeto de volta, carregando em minha mão a chama da vitória. Uma vela queimava incessantemente, vela estava que encontrei num pequeno bote à deriva no mar. A alegria da conquista era tanta que ofuscava a expectativa em retornar para o meu povo com aquele presente dos Deuses. Lembrando do meu amigo andarilho, comecei a andar de costas, uma pequena homenagem àquele responsável pelo calor que sentia em minhas mãos. Com uma certa nostalgia, me lembrei da pergunta que nunca havia feito a ele, a pergunta que me asombraria, de uma maneira inspiradora, por toda a vida. Qual seria, afinal de contas, o objetivo da jornada Dele ?

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

O Baile de Máscaras

Em um imenso baile de máscaras
todos são convidados a dançarem
a rirem, a compartilharem
suas fantasias belas e caras.

A cada noite passada
novas máscaras a aparecer
novos convidados na jogada
ou troca de roupa, quem vai saber ?

Nesta profusão de disfarces
Eis que um excêntrico bufão
numa delicada máscara encontra charmes
cujas faíscas reacendem o fogo de sua paixão.

Perdido em suas fantasias
decide cometer grande gafe
e imerso em nostalgia
De seu rosto arranca o disfarce.

Qual não foi sua surpresa
quando nos olhos da máscara amada
não vê alguma beleza
tristeza, apatia... não vê nada

Vinda de algum beco doente
uma nova máscara ocupa seu lugar
afastando eficientemente
àquela a quem ele quis se revelar

A máscara perdida
à uma outra se aproxima
feita sob medida
dos moldes de sua sina

Pintado com coloridos óleos
o cartaz da festa lido ele não havia
”o essencial é invisível aos olhos”
era o que a faixa amarela dizia.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Sintese X Analise

Cara, você tem um amplificador de audio dotado de um leitor de fita magnetica ?

O quê ?

Um aparelho de som com fita k7 ?

Cara, por que você complica as coisas ?

Eu gosto de ser sempre atual.

Como assim ?

Gosto de ser sempre atual. Cada vez mais a expressão "fita k7" vai deixar de fazer parte do consciente coletivo e passar a habitar apenas o museu do insconsciente coletivo. Não gosto de usar um linguajar fadado a extinção, como as reguas de calculo.

Como o quê ?

Exatamente !

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Para o Infinito e Além

"Only two things are infinite, the universe and human stupidity, and I'm not sure about the former." - Albert Einstein

*"Apenas duas coisas são infiniitas, o universo e a estupidez humana, e eu não tenho tanta certeza quanto à primeira."

Frase engraçada essa né Super ?

Sim. Engraçada e trágica.

Eu não acho trágica.

Ah não ?

Não.

...

O quê ?

Sob qual perspectiva a idéia expressa pelo termo "ignorância infinita" não é trágica ?

Sob a perspectiva de um animal capaz de alcançar um grau de complexidade cognitiva tão elevado a ponto de criar um conjunto de associações mentais que ultrapassam a barreira da pura mensurabilidade científica, mensurabilidade esta que depende do próprio conjunto em estudo.

... ! Onde você aprendeu a falar assim ?

Com você.

E agora você acabou de aprender mais um conceito novo: A pergunta retórica.

Ha, ha, ha...Vejo que você realizou progressos humorísticos significativos nos últimos meses.

E o seu sarcasmo continua imbatível.

...


Do que falávamos mesmo ?

Da frase do Einstein.

Ah sim... como era mesmo ?

Algo sobre "tudo ser relativo".

E=mc² ?

Algo assim...


"O seu endereço de e - mail sair vencedor no curso so bre MICROSOFT prêmio 2007"

A contribuição da internet para o problema de desmatamento do planeta: Mala-Direta virtual.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Auto Ajuda

Ele não queria ver ninguém. Não queria falar com ninguém. E, sobretudo, não queria que ninguém viesse falar com ele. Se afundar num poço de autopiedade, essa era a única vontade dele.

Ligou para os amigos e disse que ia poder jogar pelada hoje, teria que ficar com a namorada. Ligou para a namorada e disse que não poderia vê-la, tinha que estudar. Disse para os pais que não se sentia bem e pediu que ninguém o incomodasse. Se fechou no quarto, trancou os livros no ármario e mergulhou num profundo ostracismo.

Ei cara, sai dessa. Vamos jogar uma peladinha, nos distrair um pouco.

Não, não quero.

Liga pra Helena então, ela vai te fazer ficar melhor.

Não enche ! Me deixa em paz.

É, ele tá mal cara. Ta afundando na areia movediça. Tenta você alguma coisa.

E aí cara, o que tá rolando ?

Você sabe o que tá rolando.

Eu sei, mas você sabe ?

Eu falhei porra ! Sou um inútil.

Você não é um inútil, você sabe disso.

Correção: Até ontem eu não era um inútil, ou ao menos eu achava que não era. Mas as coisas mudaram.

Ah é ? Mudaram é ? Por quê ?

Já disse porra ! Eu falhei.

Você tropeçou num obstáculo, isso é verdade. Meteu a cara no chão, deu uma topada numa maldita pedra Drummoniana. Mas corredores não deixam de serem corredores ao levarem um tombinho.

Corredores não deveriam tropeçar e cair.

É aí que você se engana ! Corredores trompeçam sim. Aliás, precisam tropeçar. Precisam conhecer seus limites, suas habilidades, suas qualidades e defeitos, enfim, suas limitações. Apenas assim podem elaborar um programa de treinamento cada vez mais eficiente, de maneira a superarem os obstáculos antes intransponíveis.

Talvez todo mundo esteja certo, talvez eu não sirva para correr. Talvez eu deva me contentar a caminhar o resto da vida, e ser feliz assim.

Pode ser, mas eu duvido. O seu sonho desde sempre foi correr. Como você espera ser feliz sem perseguir o seu sonho ?

E se esse sonho for uma idiotice ?

Você acha isso porque ainda tá com os ferimentos abertos. Todo mundo que corre atrás de um sonho está destinado a cair uma vez ou outra. Se sonhos fossem algo simples de serem alcançados não se chamariam sonhos, e sim meras vontades. Tentativa e erro meu caro. Não subestime o poder da tentativa seguida do erro seguida de uma nova tentativa. Isso é puro Darwinismo, se você pensar bem.

Não sei. Antigamente eu tinha muita fé na minha capacidade de alcançar meus sonhos. Mas hoje, hoje eu sinto o peso do mundo nas minhas costas. Sinto minhas forças se esvaindo.

Cara, quando você visualiza um sonho, você dificilmente se imagina caindo no meio do caminho. Você sempre imagina cada vitória, cada conquista, e esquece que numa guerra existem muitas derrotas também. É por meio das derrotas que nos tornamos mais fortes, pois são as derrotas que nos forçam a nos superarmos. Se você não caísse nenhuma vez em sua busca pelo sonho, tal sonho não teria tanto valor assim.

É... acho que isso até faz sentido.

Claro que faz ! Tudo o que você precisa agora é calma e treino para superar esse obstáculo que te derrubou. Não vai ser fácil, nem tampouco impossível. Superar a si mesmo é a constante sina do ser humano. Você não está sozinho neste barco.

Okay. Farei isso. Mas hoje eu preciso de um tempo isolado do mundo. Sabe, para me recuperar.

Agora que você parou de se automutilar creio que esse tempo lhe será útil. Deite, descanse, planeje, mas nada de cavar pra baixo. Quanto mais você cava, mais alto o obstáculo se torna e mais difícil será escalá-lo.

Pode deixar. Obrigado cara, você realmente me ajudou.

Conhece-te a ti mesmo meu caro. Lembre-se: uma vida sem derrotas é puro tédio e estagnação. Se você almeja voar alto, precisa estar preparado para eventuais tombinhos. Se você parar para pensar bem você vai concordar que voar sem cair, amar sem sofrer, viver sem lutar, tudo isso são puros exercícios de futilidade. Não te levam a lugar nenhum que você não esteve antes.


Depois de alguns minutos, ele dormia em paz em sua cama. Não se orgulhava de sua queda, mas não se sentia tão mal como antes. Tinha decidido lutar com todas as suas forças para se autosuperar. Seu sonho ainda estava lá, bem em cima dele, e algum dia ela alçaria vôo e o alcançaria. Mas, pela primeira vez depois de muito tempo, ele não estava mais com tanta pressa. Decidiu que iria, ao invés, curtir um pouco o caminho até lá, e até mesmo os tombos que ainda o esperavam.

Nossa cara, mandou bem hein ? Conseguiu animar o cara.

Pois é. Nada como um batepapo consigo mesmo para nos ajudar a enxergar através da neblina do fracasso.