terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Bunnyville

Era uma vez uma, numa terra distante, uma feliz e próspera vila de coelhos chamada Bunnyville. Os habitantes de Bunnyville viviam em harmonia inseridos num sistema econômico simples , tendo como base uma única unidade monetária, a cenoura. Todos os serviços realizados por um Bunny para outro eram recompensados com um número pré-determinado de cenouras. Desnecessário dizer que o sustento do indivíduo era automaticamente garantido pela sua renda, dada a identificação da moeda com a fonte de sustento básica do cidadão Bunnyvillense. Porém, tal identificação gerava um sério problema. Se novas unidades monetárias não fossem obtidas de modo a repor aquelas consumidas pela população a cada dia, a economia entraria rapidamente em colapso. Deste modo, a sociedade Bunny dependia fortemente dos chamados coletores, coelhos que eram mandados na calada da noite para Manville, uma vila de humanos que cultivavam, entre outras coisas, a tão cobiçada cenoura, a fim de obterem o estoque diário necessário para manter sua sociedade funcionando apropriadamente. Obviamente aos coletores cabia uma pequena parcela do que obtiam. A maior parte tinha que ser distribuída pela sociedade. Mas tal distribuição não era feita espontaneamente. Os coletores não eram bom samaritanos nem nada. O caso é que eles eram apenas a extremidade de uma longa cadeia econômica. Estavam a serviço de ricos distribuidores. Eles eram encarregados de organizar os coletores em grupos que minimizassem o risco corrido em suas missões, fornecendo todo o material necessário em sua empreitada. Eram responsáveis também por diversos outros grupos que prestavam importantes serviços em Bunnyville. Porém, os distribuidores eram menos bom samaritanos que os coletores. Enquanto seus trabalhadores recebiam cenouras suficientes para garantirem seu sustento e a manutenção de seus razoáveis padrões de vida, os distribuidores, em troca de seu serviço de organização, abocanhavam uma boa parte das cenouras obtidas. Como eles organizavam todas as instituições prestadoras de serviços em Bunnyville, toda cenoura que não era consumida por um cidadão ia parar invariavelmente em seus cofres.

Carl era um cidadão Bunnyvillense que não estava satisfeito com o Status Quo de sua sociedade. Seu problema não era com a exploração realizada pelos distribuidores. Ele estava por demais inserido no contexto econômico para ter noção de tal exploração. Em sua cabeça, como na cabeça de todos os outros explorados, as coisas não poderiam ser de outro jeito. O que o preocupava era algo mais básico, mais simples, mais fundamental e, por isso, mais controverso. Carl se incomodava com a idéia de que Bunnyville era uma sociedade de ladrões. Sua sobrevivência dependia inteiramente do cultivo de cenouras realizado pelos homens. Eram salafrários sem escrúpulos, sugando o sustento alheio e não retornando nada em troca. Em suma, parasitas de Manville por excelência. Tal idéia trazia náuseas a Carl, muitas vezes roubando seu sono o que, ironicamente, apenas piorava a situação, pois o permitia presenciar o saque noturno realizado por seus companheiros. Carl não sabia por quanto tempo mais aguentaria viver sob a condição de parasitismo. Já havia feito greve de fome, porém sem sucesso. Não apenas sua vida, mas a de toda sua comunidade dependia daquela infame atividade. Não, morrer de fome não iria ajudar em nada. Carl precisava encontrar um jeito de libertar Bunnyville da condição vermífuga.

Armado de tais pensamentos e de uma súbita dose de coragem, Carl deixou Bunnyville. A algum tempo ele havia tido uma brilhante idéia. Da mesma forma que as cenouras cresciam na terra cultivada pelos homens, ela haveria de crescer também em alguma porção de terra ainda não explorada nos arredores. Se Carl pudesse encontrar cenouras que não pertencessem a ninguém, que crescessem naturalmente, sem o cuidado de nenhum humano, então não haveria problema algum em Bunnyville utilizar tais vegetais para seu sustento. Passariam a ser uma raça de exploradores, ao invés de reles parasitas. Embuído com a vontade de melhorar o mundo, Carl passou dias explorando os territórios desconhecidos que iam além de Manville.

Dias se passaram e Carl sentia em suas costas todo o peso das frustrações que acometem aqueles que falham em uma nobre missão. Sentia que rodava em círculos, nunca encontrando o menor sinal das folhas que saiam do solo, indicando a presença da suculenta raiz. Se arrastando, desprovido de forças, Carl se perguntava se o Grande Coelho havia criado ele e seus irmãos para serem nada mais além de repugnantes vermes parasitários. Estariam fadados à eterna dependência, nunca indo além do furto para garantirem sua sobrevivência, nunca conquistando uma forma honesta de subsistência ? Num último gesto de esperança, Carl começou a cavar a clareira onde se encontrava. A razão o dizia que era um ato inútil, que ele nunca encontraria cenouras numa clareira desprovida das folhas característica de um pé de cenoura. Porém Carl já havia abandonado a razão, restando apenas a fé.

No mesmo dia Carl retornava triunfante ao seu povo, carregado de cenouras que ele havia encontrado no buraco cavado na clareira. Não entendia o porquê de tais cenouras não possuirem a característica folhagem por cima do solo. Talvez fosse algo que apenas as cenouras cultivadas pelos homens possuíssem, mas isso não importava. O importante é que ele havia encontrado a chave para libertar seu povo do parasitivismo vulgar, ou melhor, assim ele imaginava. No mesmo dia, apesar de seus protestos desesperados, foi preso e sentenciado à morte por invadir e saquear o cofre de um rico e poderoso distribuidor.

Moral da história: O caminho para o inferno está repleto de boas intenções.

Um comentário:

Henrique Fogli disse...

Isso e mais uma palavra: Genial!!!