sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A Arte da Criação da Arte

Era uma reunião de emergência. As melhores mentes da humanidade haviam sido urgentemente chamadas para discutir a questão mais importante jamais levantada na história. Iriam discutir seriamente sobre o tráfego de informações.

- A situação é extremamente crítica - suspirou Leonardo.

-Sinais de perda de fé podem ser visto em todos os lugares - alertou Raphael.

- Pensar e sonhar são atividades cada vez menos praticadas e conhecidas - se desesperou Donatello.

- Estou triste - confessou Michelangelo.

Durante horas as maiores mentes da humanidade discutiam, explicando seus infinitos motivos pela perda de fé na humanidade. A alienação dos jovens, a amargura e conformismo dos velhos, a escravidão dos adultos. Não existia um lado que alguém olhasse e não presenciasse um crime animalesco contra o espírito humano. Aquele espírito tão cheio de potencial, com tanta capacidade para superar a si mesmo, porém, simultaneamente, tão medroso e preguiçoso. Se nada fosse feito, ninguém iria sair vivo daquele pálido ponto azul chamado Terra.

- Como vemos, graças à extensa e precisa análise de Ludwig, a qualidade de atividade intelectual dos indivíduos está altamente correlacionada com o respectivo fluxo de idéias. Spooky Clouds, o modelo que descreve tal fenômeno, toma como hipótese a idéia de nós de informação, encruzilhadas de sinapses altamente estáveis que funcionam como pontes entre diferentes idéias na mente de um ser humano. É tal fator aleatório o responsável por todas as tomadas de decisões e resoluções dos problemas, desde que a vida como a conhecemos surgiu.

- Alguém poderia ir direto ao ponto ? - Geraldo esfregava a cabeça, impaciente - Não temos exatamente todo o tempo do mundo aqui.


- O ponto, meus caros, é que precisamos encontrar uma solução efetiva para incentivar o fluxo de informação para o cérebro das pessoas. Um alto e constante fluxo age como um efetivo catalisador de nós, que por sua vez catalisa nossos sonhos... e o resto se escreve sozinho.

Um silêncio se fez no recinto, silêncio este que representava a cumplicidade de todas as mentes presentes. Todos concordavam que algo precisava ser feito urgentemente para salvar a obra-prima da natureza, o engenho mais complexo do universo conhecido, o cérebro humano! Mas, o quê ?

Um som rítmico repentinamente se fez ouvir no salão de reuniões. Era um ritmo preciso, contagiante, simples, rico, mágico. Eram sons produzidos por um bongô sendo constantemente estapeado. Risos de timbre feminino eram também audíveis à esta altura.

- Meninas, eu duvido que vocês tenham se divertido tanto quanto eu. Da próxima vez eu compensarei meus erros de hoje.

Quando as índias semi-nuas se fizeram ausentes, o tocador de bongô pareceu notar pela primeira vez os olhos que se dirigiam, reprovadores, para ele.

- E aí pessoal ! Tudo certinho ?

- Dick, meu amigo. Todos nós estamos acostumados com a sua, como eu diria isso, excentricidade - Quase imediatamente, a fala de Geraldo foi interrompida por Dick - E eu devo dizer que sempre apreciei muito tal postura meus colegas.

- Obrigado. - Geraldo meneou a cabeça modestamente - Dick, estamos enfrentando uma séria crise aqui, talvez a maior de todas, e precisamos de toda a ajuda disponível. E você bem o sabe que a sua ajuda sempre nos foi de extrema importância no passado. É de meu desejo que tal quadro continue a ser pintado hoje, meu caro, quando, como eu já disse, não podemos nos dar ao luxo de perder qualquer tipo de ajuda.

- Sim - Dick subitamente parecia ter trocado de personalidade, como um músico talentoso troca de instrumento no meio de uma apresentação - Já estou familiarizado com o conceito da crise, inclusive com o plano sobre o fluxo de idéias.

- Plano ? Não temos plano algum ! - Fred apoiava sua latejante cabeça em suas mãos, como se segurasse o mundo inteiro vacilante entre seus dedos - Tudo o que temos é essa vontade de, de alguma maneira qualquer, incentivaro fluxo de idéias na mente dos seres humanos. Mas não fazemos a menor idéia de como alcançar tal feito.

- Já é um começo. E que belo começo ! Há de surgir o plano bem sucedido que não tenha começado com uma vontade ou, melhor ainda, com um sonho.

- Precisamos de algo mais palpável que um sonho. - Geraldo começa a mostrar sinais de impaciência - Precisamos de pragmatismo, precisamos agir!

- Bem, eu tive uma idéia engraçada que pode dar certo. - Todos os olhos se voltaram, novamente, para Dick.

- Bom, - Dick rompia timidamente o silêncio que ele havia arquitetado. Sua boca estava seca, seu estômago repleto de borboletas. Se concentrou para não ser distraído pelas batidas de seu coração e continuou com o discurso semi-ensaiado - Para vender o nosso produto, no caso as idéias, precisamos de embalagens eficientes.

Uma comoção tomou conta do ambiente. Ninguém estava exatamente no clima apropriado para ouvir as pilhérias de Dick. Antes que os murmuros de descaso se tornassem sonoras vaias, a voz tímida de John ecoou, limpidamente, por todo o salão:

- Hey pessoal, vamos terminar de ouvir a idéia do Dick. Ele raramente nos desaponta.


Paz John ! - voltando-se para a descrente multidão, ele continuou com a sua propaganda - Sim, embalagens atraentes, instigantes, reconfortantes. Embalagens bonitas ! É disso que precisamos para vender nosso peixe.

O surdo silêncio que reinava parecia suspirar: ”Continue, sou todo ouvidos”, e ele continuou:

- É só observarmos um pouquinho o ser humano para notarmos que as coisas que ele não gosta são feitas extremamente de má vontade e com qualidade infinitamente inferior às coisas que ele gosta, às que ele se sente atraído, satisfeito por fazê-las. E não é preciso ser nenhum Alberto para sacar que o homem gosta, ou melhor, cultua a beleza.

- Ele tem razão - se surpreendeu Alberto - eu compraria qualquer coisa cuja embalagem lembrasse a beleza sagrada de um solo de violino.


- Mas, o que você está sugerindo ? - Geraldo não parecia estar seguindo a linha de raciocínio muito bem - Que comecemos a distribuir idéias de suma importância para o progresso da humanidade codificado nas notas de uma música ?

- Exatamente ! - Dick estava no apogeu de uma forte descarga de endorfina - E não apenas nas notas, mas nas letras. E em livros com histórias envolventes, em quadros, estátuas...

- Podemos incutir idéias e questionamentos em músicas populares. -animou-se Paulo.

- Ou cultuar a própria idéia de perfeição, que está sempre motivando as ações dos homens. - inspirou-se Plato.


- Ou revelar novos pontos de vista, novas perspectivas, novas maneires de se enxergar o mundo em pinturas. - empolgou-se Pablo.

- Preparar o mundo para uma nova era através de atraentes alegorias. -reanimou-se Fred.

- Isso, isso. Acho que vocês pegaram a idéia. - Dick alterava novamente o seu semblante. - Vamos pensar em algo simples de início, como... hmmm... sei lá, pinturas nas cavernas. E logo após desenvolver a escrita, para podermos preservar de uma maneira mais ou menos eficiente todas essas idéias.

- Acho que sei quem pode nos ajudar com a matéria-prima, tintas, panos, peles de animais e tudo o mais.- e, de uma maneira mais espetacular do que entrou, Dick deixou o recinto, feliz pela eficiente germinação de suas sementes - Ei meninas ! Meninas, precisamos de uma mãozinha aqui.

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